
"Recebi em doação R$ 2 milhões do meu pai, preciso colacionar o valor se eu renunciar à herança?"
Introdução
A colação é um conceito essencial no direito sucessório, especialmente quando envolve doações realizadas em vida por um ascendente a um descendente. Uma dúvida comum é: se eu recebi uma doação significativa do meu pai e, posteriormente, renuncio à herança, ainda preciso colacionar esse valor? A resposta, conforme o artigo 2.008 do Código Civil, é depende!
O que é Colação?
A colação é o ato de trazer à herança os bens ou valores que o herdeiro necessário recebeu em vida do falecido, para que sejam considerados na partilha dos bens. O objetivo é garantir a igualdade entre os herdeiros, evitando que um deles seja indevidamente favorecido.
O que diz o Artigo 2.008 do Código Civil?
O artigo 2.008 do Código Civil estabelece que “Aquele que renunciou à herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível.”
Isso significa que, mesmo se o herdeiro renunciar à sua parte na herança, ele ainda deverá colacionar as doações recebidas para garantir que o excesso sobre a parte disponível seja reposto.
Vamos esclarecer através de exemplos e mostrar como a avaliação por um advogado especialista é essencial para que você, herdeiro, tenha uma completa noção do seu direito e, também, dos benefícios que a renúncia poderá te trazer.
Cenário 1: Patrimônio de R$ 3 Milhões e Três Herdeiros
Vamos considerar um cenário onde o “de cujus” (falecido) deixou um patrimônio total de R$ 3 milhões a época do falecimento e tinha três filhos, sendo que um deles recebeu em vida uma doação de R$ 2 milhões. Analisaremos as consequências tanto na situação em que o herdeiro não renuncia quanto na situação em que ele renuncia à herança.
Situação 1: Herdeiro Não Renuncia à Herança
Se o herdeiro que recebeu R$ 2 milhões não renunciar à herança, ele será obrigado a colacionar esse valor. A herança total a ser partilhada será de R$ 5 milhões (R$ 3 milhões do patrimônio deixado + R$ 2 milhões da doação). Cada um dos três filhos teria direito a R$ 1,666 milhão (1/3 de R$ 5 milhões).
No entanto, como um dos filhos já recebeu R$ 2 milhões, ele teria que repor aos herdeiros o que recebeu a mais, no valor de R$ 334.000,00. Isso porque ele já recebeu um valor superior à sua parte na legítima, sendo necessário repor esse excesso para que todos os herdeiros recebam uma parte justa e igualitária.
Situação 2: Herdeiro Renuncia à Herança
Agora, se o herdeiro que recebeu R$ 2 milhões decide renunciar à herança, a colação ainda será obrigatória, conforme o artigo 2.008 do Código Civil, mas apenas da parte que ultrapassou a parte disponível (50% que o autor da herança poderia dispor livremente). Mesmo renunciando à herança, o valor recebido em doação, apenas em relação ao excesso, deve ser conferido para assegurar que o excesso sobre a parte disponível seja reposto.
Nesse caso, a herança total ainda seria de R$ 5 milhões, sendo a parte disponível R$ 2,5 milhões. No entanto, o filho que renunciou não participará da partilha dos R$ 3 milhões restantes, e, como recebeu apenas R$ 2 milhões, não precisará colacionar o bem, pois não atingiu a legítima.
Veja que nesse caso, a renúncia pelo herdeiro o beneficiou financeiramente.
Situação 3: Herdeiro Deserdado ou Declarado Indigno
Se o herdeiro foi deserdado ou declarado indigno, ele não terá direito à legítima, mas a doação recebida em vida ainda pode ser sujeita à colação, mas somente na parte que exceder a legítima. Nesse caso, a colação será exigida apenas sobre a parte inoficiosa, ou seja, o valor que ultrapassa a metade disponível do patrimônio do “de cujus”.
Por exemplo, se o patrimônio total do “de cujus” fosse de R$ 3 milhões, a parte disponível seria de R$ 1,5 milhão. Se o herdeiro que foi deserdado ou declarado indigno tivesse recebido R$ 2 milhões em doação, ele teria que colacionar apenas R$ 500 mil, que é o valor que excede a parte disponível. O valor restante de R$ 1,5 milhão estaria dentro do limite da parte disponível e, portanto, não seria colacionado.
Situação 4: Herdeiro Recebeu Bem e Doador Incluiu Cláusula de Dispensa da Colação
Em alguns casos, o doador pode optar por incluir uma cláusula de dispensa de colação na doação feita em vida. Essa cláusula tem o efeito de excluir o valor ou bem doado do processo de colação, permitindo que o herdeiro receba o bem sem ter que compensar os outros herdeiros no momento da partilha.
Quando o doador inclui a cláusula de dispensa da colação, o valor do bem doado não será levado em consideração quando da morte do doador, desde que não exceda a parte disponível do patrimônio. É importante notar que, para que essa dispensa seja válida, o valor doado deve respeitar o limite da parte disponível, ou seja, não pode ultrapassar 50% do patrimônio total do doador no momento da doação (liberalidade) e não no momento do falecimento.
Muito profissionais erram exatamente aqui. Por isso, vamos apresentar um caso prático.
De acordo com o parágrafo único do artigo 2.005 do Código Civil, se o doador, após a doação, vier a ter um patrimônio menor do que aquele no momento da liberalidade, o herdeiro beneficiado não será obrigado a colacionar o bem doado.
Em 01 de fevereiro de 2020, um pai doou a um de seus filhos um imóvel avaliado em R$ 2 milhões, sendo que, à época, ele possuía um patrimônio total de R$ 10 milhões. A doação foi realizada com uma cláusula de dispensa de colação, significando que o bem doado não precisaria ser trazido à partilha no futuro.
Quatro anos depois, em 01 de fevereiro de 2024, o doador faleceu, mas seu patrimônio havia diminuído consideravelmente, restando apenas R$ 1 milhão no momento do falecimento. De acordo com o parágrafo único do artigo 2.005 do Código Civil, se o patrimônio do doador se reduzir após a doação, o herdeiro beneficiado não precisa colacionar o valor doado, mesmo que a legítima dos outros herdeiros não seja totalmente preservada.
Portanto, no cenário descrito, o filho que recebeu o imóvel de R$ 2 milhões em doação não precisará trazer o valor à colação, e os demais herdeiros dividirão apenas o patrimônio remanescente de R$ 1 milhão. Assim, o herdeiro mantém o bem doado, respeitando a cláusula de dispensa de colação, mesmo diante da redução significativa do patrimônio do doador antes de sua morte.
Isso reforça a importância de um planejamento sucessório adequado, que leve em conta eventuais mudanças no patrimônio ao longo do tempo.
Para resguardar por completo seu cliente, sempre inclua a cláusula de dispensa da colação com a indicação do patrimônio atual do doador.
“Cláusula de Dispensa de Colação: O(a) doador(a), [nome completo do doador], neste ato, doa ao(à) donatário(a), [nome completo do donatário], o bem imóvel descrito no item [número do item], avaliado em R$ [valor da avaliação], de sua propriedade, sem que seja necessário colacioná-lo ao futuro inventário, nos termos do artigo 2.005 do Código Civil, estando tal doação compreendida dentro da parte disponível de seu patrimônio. O(a) doador(a) declara, neste ato, que seu patrimônio total, nesta data de [data da doação], é de R$ [valor total do patrimônio].
Conclusão
Receber uma doação em vida pode trazer vantagens financeiras, mas também implica obrigações legais, como a colação. Mesmo que o herdeiro renuncie à herança, seja deserdado ou declarado indigno, ele ainda deve colacionar o valor recebido em doação, conforme estipulado pelo artigo 2.008 do Código Civil, sempre que esse valor exceder a parte disponível.
Cada caso é único, por isso é essencial consultar um advogado para garantir que todos os procedimentos estejam de acordo com a lei. Um planejamento sucessório bem estruturado pode evitar conflitos e assegurar que a vontade do falecido seja respeitada, em conformidade com a legislação vigente.
No De Vielmond Advocacia, oferecemos consultoria especializada para ajudá-lo a tomar a melhor decisão para proteger seu patrimônio. Entre em contato conosco para uma consulta personalizada e descubra como podemos ajudar a planejar seu futuro com segurança e tranquilidade.